Entrevista com Fernando Siqueira
revela os atentados à segurança que a múlti cometeu
“A Chevron mentiu o tempo todo e não
informou aos órgãos públicos que perfurou outro reservatório, localizado
mais abaixo em relação ao que vinha sendo explorado antes. Ela fez isso
sem saber qual era a pressão máxima que poderia utilizar. Esse fato
causou os dois vazamentos da bacia de Campos. Negligenciou a segurança
para economizar tempo e dinheiro”, afirmou o vice-presidente da Aepet
(Associação dos Engenheiros da Petrobrás) e do Clube de Engenharia do
Rio de Janeiro, Fernando Siqueira, no sábado, em entrevista ao HP.
“Chevron mentiu o tempo todo sobre vazamentos”, diz Fernando
Siqueira
“Negligenciou segurança
para economizar”
O
vice-presidente da Aepet (Associação
dos Engenheiros da Petrobrás) e do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro,
Fernando Siqueira, afirmou, no sábado (24), em entrevista à Hora do Povo, que a
Chevron mentiu o tempo todo e não informou aos órgãos públicos que perfurou
outro reservatório, localizado mais abaixo em relação ao que vinha sendo
explorado antes. Ela fez isso sem saber qual era a pressão máxima que poderia
utilizar. Esse fato causou os dois vazamentos da bacia de Campos. Siqueira disse
que a Petrobrás, por ser uma empresa estatal, jamais se comportaria de forma tão
irresponsável. Abaixo, a entrevista na íntegra.
HP - Qual a sua avaliação do processo aberto pelo
Ministério Público Federal contra a empresa norte-americana Chevron?
FS - A Chevron negligenciou a segurança por motivo de
economia. Resumidamente, o caso é o seguinte: a Chevron estava furando um poço.
Havia um outro reservatório nas proximidades de onde ela já produzia. Ela
conhecia a pressão deste reservatório vizinho. Então, ela furou esse
reservatório. Só que havia um outro reservatório mais embaixo. Quando ela furou
o primeiro, ela fez um teste mecânico de resistência do reservatório e chegou a
uma pressão em torno de 11 libras por galão. Então, ela dimensionou uma lama tal
que compensasse a pressão desse reservatório, que era 10,5 libras por galão, ou
seja, uma pressão abaixo do limite de resistência do reservatório.
E aí então, ela resolveu furar o reservatório mais embaixo.
Mas, para furar esse reservatório mais embaixo, o correto teria sido revestir o
poço nesse trecho, isolar o primeiro reservatório, que ela furou antes, e
prosseguir a perfuração com toda a segurança, ou seja, a pressão que existisse
no reservatório mais embaixo não iria repercutir no reservatório do primeiro
nível, do nível mais acima. Isso seria o correto.
HP - Qual foi o motivo que levou a Chevron a
negligenciar a segurança?
FS - Para economizar tempo e dinheiro. A Chevron correu o
risco de continuar a perfuração e esperava encontrar, no segundo reservatório, a
pressão do primeiro reservatório, porque, no outro, onde ela já produzia, a
pressão era mais ou menos nesse nível. Isso é uma achologia. Um risco que não se
pode correr na área do petróleo, principalmente no mar e a grandes
profundidades. Então, a Chevron negligenciou a segurança para economizar. E
prosseguiu na perfuração sem ter revestido o primeiro reservatório. Quando ela
atingiu o segundo reservatório a pressão era mais alta do que ela esperava.
Então houve um "quick" de pressão, uma ameaça de o poço jogar tudo para fora.
HP - Diante da constatação do problema, qual foi a
atitude adotada pela Chevron?
FS - Os técnicos aumentaram e densidade da lama que
estava sendo injetada e aumentaram a pressão em cima do reservatório para poder
equilibrar a coluna. Ou seja, para poder equilibrar a pressão deste segundo
reservatório. Só que, como o primeiro reservatório não estava isolado, essa
lama, mais pesada do que ele suportava, migrou para ele e trincou a parte
externa do reservatório. Trincou a casca do reservatório que é uma parte sólida
da rocha que, impermeabilizada, não deixa o petróleo sair lá de dentro. Quando
injetou uma pressão superior, a resistência dele cedeu e ele trincou. Não se
sabe o tamanho dessa trinca, mas começou então a vazar petróleo do reservatório
para o terreno.
HP - Há uma relação entre o desastre de novembro e o
vazamento atual?
FS - Muito provavelmente há relação entre o desastre de
novembro e o vazamento de agora. A gente supõe que esse segundo vazamento foi
consequência da perfuração do segundo reservatório, porque como ele está a mais
de mil metros abaixo da superfície do solo, a tendência do óleo é procurar veios
no terreno para migrar até a superfície. Então, imagina-se que esse óleo migrou
através do terreno e chegou a três quilômetros de distância do ponto original do
acidente. Agora é complicado restabelecer a permeabilização do reservatório. A
Chevron tinha suspenso todas as atividades de perfuração. Então, não teria
sentido surgir outro acidente na área.
HP - A Chevron está escondendo informações das
autoridades?
FS - A Chevron não está querendo abrir jogo. Ela não
contou a verdade desde o começo. Mesmo a PF, interrogando alguns técnicos da
área de perfuração, não conseguiu chegar à verdade. A Chevron, além de não dizer
exatamente o que houve, mente desde o início. Primeiramente ela tentou atribuir
o vazamento à Petrobrás , porque havia o campo de Roncador ali próximo. Teve-se
que fazer um exame de DNA do petróleo para saber que era de Frade. Depois, no
Congresso, falou que ela não tinha colocado a segunda sapata, ou seja, desviou
para uma coisa menos grave. Em momento nenhum ela confessou que negligenciou a
segurança quando deixou de fazer o procedimento correto, que seria revestir o
poço para isolar o primeiro reservatório, uma vez que ela pretendia dirigir-se
ao segundo reservatório. Sem saber a pressão que existia lá, ela tinha que tomar
as providências seguras para não haver o acidente, e não tomou.
HP - Que diferença você vê entre essa atuação da
Chevron e a atuação da Petrobrás?
FS - A Petrobrás é uma empresa estatal, portanto tem o
controle da sociedade. O cartel não tem o controle de ninguém. Esse é um dos
problemas de você ter empresas estrangeiras trabalhando aqui. Porque se fosse a
Petrobrás, que é uma empresa estatal, que tem um controle do governo, ela teria
que forçosamente contar a verdade, tomar as providências cabíveis e se
responsabilizar completamente pela reparação do dano. A Chevron tentou enganar
os órgãos públicos e isso é gravíssimo. É um desrespeito às leis do país, um
desrespeito à soberania e, por isso, é que nós achamos que temos que acabar com
os leilões, porque a Petrobrás tem as condições, as técnicas necessárias para
explorar o petróleo.
HP - O Brasil precisa dessas empresas estrangeiras
para explorar petróleo?
FS - A Petrobrás tem condições financeiras, porque
financiamento para quem tem petróleo é a coisa mais viável do mundo. E ela tem a
tecnologia necessária e o controle da sociedade. A Petrobrás contrata as mesmas
empresas prestadoras de serviço que as outras petroleiras. Portanto, a
tecnologia usada é a mesma. A Transocean, que é a empresa que perfurou Frade,
trabalhou no golfo do México e houve lá o acidente da British Petroleum (BP). O
acidente ocorreu porque a BP, também para economizar tempo e dinheiro,
negligenciou a segurança e deixou de fazer uma cimentação mais segura. Fez uma
cimentação muito aquém daquela recomendada. A Transocean aqui no Brasil trabalha
para a Chevron. Ela também fez o que o cliente mandou, ou seja, negligenciou a
segurança. A Transocean fura para a Petrobrás, só que a Petrobrás não exige dela
esse tipo de atitude. Então tudo isso são argumentos fortíssimos para a gente
não ter mais leilões de áreas petrolíferas no Brasil.
HP - Você acha possível controlar a atuação das
empresas estrangeiras?
FS - Pelo contrário, até o governo americano é controlado
pelo cartel. Só para dar um exemplo, eu propus ao Gabrielli, então presidente da
Petrobrás, que o Lula fizesse um acordo com o Obama para a Petrobrás fornecer 4
milhões de barris por dia durante trinta anos, pelo preço de mercado, com a
condição dele tirar os lobistas daqui do Congresso. E o Gabrielli disse que o
Lula já tinha proposto isso, mas o Obama teria respondido que não tem controle
sobre as empresas. Não existe um porta-voz das empresas. São as empresas que
controlam o governo americano. Em lugar nenhum do mundo elas respeitam as leis.
A Chevron está sendo processada no Equador. A Shell fez um desastre na Nigéria.
Teve o desastre lá no Ártico, do petroleiro Exxon Valdez. Essas empresas não são
controladas. A Chevron está mostrando isso aqui. Mentiu o tempo todo, não usou o
procedimento correto e causou o acidente.
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