Essa carcomida instituição, que sempre esteve contra qualquer gatilho
automático para correção de perdas salariais, acabou de descobrir sua
utilidade quando se trata de achacar os idosos
Enquanto no mundo inteiro
multidões vão às ruas contra os aumentos nas idades mínimas para
aposentadoria impostos nos pacotes de “ajustes”, o FMI veio a público
recomendar a adoção em lei de gatilho para tornar automático esse
aumento sempre que cresça a expectativa de vida da população de um país.
A medida foi apresentada durante a divulgação do quarto capítulo do
Relatório do FMI sobre Estabilidade Financeira Global, que trata do
“risco do aumento da longevidade” e que inclui a proposta de criação de
novo mercado de derivativos para lidar com tal “risco”.
Embora o capítulo não cite
expressamente a lei do gatilho, o vice-diretor da Divisão de
Estabilidade Financeira do FMI, Erik Oppers, abriu o jogo e foi direto
ao ponto: “Não basta aumentar a idade uma vez e ficamos por isso. É um
processo dinâmico: as pessoas continuam a viver mais, cada vez mais. Não
se trata apenas de aumentar a idade uma vez, é preciso continuar
aumentando”. “Isto pode ser um processo difícil do ponto de vista
político, mas se houver uma regra que institua uma mudança automática
proporcionalmente à longevidade, (os políticos) não teriam de revisitar
o tema”, complementou.
DERIVATIVOS
Com os bancos empanturrados de
derivativos podres tentando açambarcar a maior quantia possível de
recursos públicos para se manterem à tona, a caça ao dinheiro da
previdência se tornou um dos aspectos centrais das políticas de ajuste,
especialmente, no momento, na Europa. O que é feito através do corte
propriamente dito das pensões – como já ocorreu na Grécia e Portugal -,
do aumento da idade mínima para se aposentar – caso dos dois países e
também a Espanha, Itália, França e Holanda -, e ainda do aumento do
tempo de contribuição. A reação popular tem sido intensa, com grandes
manifestações e greves gerais.
Assim, o FMI, que sempre foi
contra qualquer gatilho automático para correção de perdas salariais,
acabou de descobrir sua utilidade quando se trata de achacar os idosos.
O relatório ameaça ainda os países que não arrocharem os aposentados de
“ficar sem dinheiro para pagar as aposentadorias” e nada diz sobre a
fragilidade dos fundos de pensão privados nos países centrais, após a
crise financeira de 2008, com suas ações que viraram pó. Só falta dizer
que o problema é que os velhinhos estão insistindo em viver demais e
pondo em risco a “estabilidade”.
Mas insinua. O capítulo chega a
fazer a previsão de que “se os indivíduos viverem três anos mais que o
esperado os já grandes custos do envelhecimento poderiam aumentar em
50%, representando um custo adicional até 2050 [acumulado] de 50% do PIB
de 2010 nas economias avançadas e 25% do PIB de 2010 nas economias
emergentes”. As despesas com a previdência, assevera o documento,
“praticamente dobrariam” em 2050 em relação à proporção atual, chegando
a 11,1% do PIB nos países ricos e 5,9% nos países em desenvolvimento.
E isso aconteceria com a
expectativa de vida aos 60 – os anos que ainda vai se viver ao completar
essa idade -, subindo para 26 anos em 2050, segundo a ONU, e para 22
anos nos países em desenvolvimento.
O capítulo também cria uma
definição para “risco de longevidade”: “o risco de que a vida de
indivíduos ou de uma população inteira exceda a expectativa”. Toda essa
peroração é para esboçar um novo mercado de derivativos, o de “risco de
longevidade”, com transações over-the-counter. “Buy-outs” e “buy-ins” de
pensões, swaps e outros contratos de derivativos, esclarece o capítulo.
Ou seja, se os aposentados vão viver mais, o negócio é especular até que
morram. Naturalmente os fundos de pensão em que os membros vivam mais
sofreriam de “risco maior” e teriam de pagar um ágio maior.
Como em todo o bestialógico
neoliberal, não poderia faltar o “choque de longevidade”. E tem. Um
quadro assinala que ‘o advento de drogas antiretrovirais para pessoas
infectadas com HIV no meio dos anos 1990 criou um positivo choque de
longevidade para os pacientes mas desfez as expectativas financeiras dos
investidores de ‘viatical settlements’. Consulta à Investopedia permitiu
esclarecer do que tratava tais “expectativas financeiras”. O “viatical
settlement” é um arranjo no qual uma pessoa em estado terminal vende a
um escroque sua apólice de seguro de vida, recebendo menos que o valor
de face. “Se você investe em ‘viatical settlement você basicamente está
especulando com a morte. Quanto mais a pessoa viver, menor o retorno.
Esta é indubitavelmente um dos mais mórbidos investimentos que alguém
pode comprar”.
ANTONIO PIMENTA