sábado, 24 de agosto de 2013

Criminosos de guerra dos EUA condenam Manning a 35 anos


 
A iníqua sentença só confirma que ele é o principal preso político dos EUA nos dias de hoje
 O soldado Bradley Manning, que de nunciou o massacre de 11 civis em Bagdá em 2007, inclusive dois jornalistas e crianças, por um helicóptero Apache – o famoso vídeo do “Assassinato Colateral”-, e expôs através do site WikiLeaks e dos principais jornais do planeta centenas de milhares de documentos com crimes de guerra cometidos pelos EUA no Iraque, Afeganistão e Guantánamo, e a intervenção norte-americana no mundo inteiro, foi condenado na quarta-feira (21) a 35 anos de cadeia por um tribunal militar de exceção. Foi sentenciado, ainda, à dispensa com desonra. Em suma, foi condenado por ter, nos marcos dos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Nuremberg, revelado a verdade.
A sentença foi repudiada pela principal entidade de defesa das liberdades civis dos EUA, a ACLU, por juristas e pela Anistia Internacional, assim como no mundo inteiro. É ultrajante que, enquanto Manning é condenado a passar décadas no cárcere, os perpetradores das atrocidades que ele denunciou e os torturadores – assim como os mandantes da Casa Branca e do Pentágono - sigam em liberdade. E que a denúncia de crimes de guerra seja tratada como “espionagem”. A iníqua sentença é apenas a confirmação de que Manning é o principal preso político dos EUA nos dias de hoje.
A tripulação do helicóptero Apache – cuja “sede de sangue” e desumanidade chocou Manning -, assassina de 11 civis, nunca foi acusada de nada ou indiciada. O principal responsável pela inteligência militar no escândalo de Abu Graib, coronel Thomas Pappas, recebeu uma reprimenda e multa de US$ 8.000. O marine Frank Wuterich, que com mais sete sicários chacinou 24 civis, homens, mulheres e crianças em Hadita, foi “punido” com desconto de dois terços do soldo por três meses, e rebaixamento; os demais, nem isso. Em outros crimes de guerra, condenações foram rapidamente reduzidas, e logo os assassinos tiveram as penas comutadas.
A condenação segue a escalada do presidente Obama contra os que denunciam os crimes cometidos pelos EUA, como a recente pena de 30 meses de prisão para o agente da CIA John Kiriakou, que denunciou que o “waterboarding” era tortura, e a perseguição ao editor do “WikiLeaks” Julian Assange e ao ex-técnico do NSA, Edward Snowden. Daniel Ellsberg, que divulgou os “Papéis do Pentágono” no governo Nixon, que foram decisivos para acabar com a Guerra no Vietnã, e que também foi acusado de “espionagem” na época, afirmou que Manning não deveria “passar mais um dia sequer na prisão”.
Conforme Manning foi escoltado para fora do tribunal, manifestantes o saudaram: “Continuaremos lutando por você, Bradley! Você é nosso herói”. Manifestações estão sendo convocadas em muitas cidades do país. Segundo o relato do seu advogado, David Coombs, Manning permaneceu tranqüilo diante do anúncio da pena de 35 anos. O advogado e seus auxiliares caíram nas lágrimas, Manning, não. Ele lhes disse: “Está okay. Não se preocupem com isso. Eu sei que vocês fizeram o máximo. Eu vou ficar okay. Eu vou dar conta disso”.
Coombs revelou ainda, que o promotor militar, que havia pedido 60 anos de cárcere, tentou arrancar de Manning um acordo para que ele testemunhasse contra Assange, cujo indiciamento por “espionagem” Obama tenta forjar. Manning se recusou. O advogado anunciou que o próximo passo é a corte de apelação e pedido a Obama para que comute a pena, Em declaração feita após o julgamento, e dirigida a Obama, o soldado afirma que “se você negar meu pedido de perdão, eu cumprirei meu tempo [de cárcere] sabendo que às vezes você tem de pagar um pesado preço para viver em uma sociedade livre. Eu pagarei esse preço com alegria se isso significar que nós podemos ter um país que seja verdadeiramente concebido na liberdade e dedicado à proposição de que todas as mulheres e homens são criados iguais”.
Para Coombs, dentro de pouco mais de sete anos Manning terá direito a pedido de liberdade condicional, e que se for negado, a cada ano irá tentar de novo, até que seja libertado. Com 1/3 da pena cumprida, o condenado passa a ter direito a reivindicar a liberdade condicional, o que não quer dizer que seja atendido. Da pena de 35 anos, ele tem direito a descontar 3,5 anos, referentes ao período que já ficou preso e à “compensação” decidida pelo tribunal para o “tratamento duro” que sofreu durante 11 meses, quando ficou na solitária em condições que o relator especial da ONU para Tortura, Juan Mendez, considerou “cruéis, desumanas e degradantes”.

Assange, que se encontra asilado na embaixada do Equador em Londres para não ser extraditado para os EUA via Inglaterra ou Suécia, considerou que, ainda que o julgamento e condenação de Manning sejam uma afronta à justiça, houve uma “significativa vitória tática” da equipe de defesa, tendo em vista que o governo Obama apresentara acusações que levavam a 135 anos de cárcere. Tal tratamento, assinalou, “buscava enviar um sinal às pessoas de consciência no governo dos EUA que poderiam trazer à luz os malfeitos”. “Esta estratégia saiu pela culatra, como os meses recentes provaram. Ao invés, o governo Obama está demonstrando que não há lugar no seu sistema para gente de consciência e princípios. Como resultado, haverá mil vezes mais Bradley Mannings”, apontou.

                                                                  ANTONIO PIMENTA

Muitas vezes o patriotismo é exaltado aos gritos enquanto atos moralmente questionáveis são defendidos por aqueles no poder

“Não há uma bandeira grande o bastante para cobrir a vergonha de matar gente inocente”
Abaixo a carta em que Manning reivindica o indulto.
“As decisões que eu tomei em 2010 tiveram como motivo a preocupação por meu país e o mundo em que vivemos. Desde os trágicos eventos do 11 de Setembro, nosso país tem estado em guerra. Temos estado em guerra com um inimigo que escolheu não nos encontrar nos campos de batalha tradicionais, e devido a este fato nós tivemos de alterar nossos métodos de combater os riscos impostos a nós e nosso modo de vida.
Eu concordei inicialmente com esses métodos e escolhi ser voluntário para ajudar a defender meu país. Somente quando estive no Iraque e passei a ler relatórios militares secretos diariamente foi que comecei a questionar a moralidade do que nós estávamos fazendo. Foi nesse tempo que eu compreendi que em nossos esforços para fazer frente aos riscos que nos eram impostos pelo inimigo, nós esquecemos nossa humanidade. Nós conscientemente escolhemos desvalorizar a vida humana no Iraque e no Afeganistão. Quando agíamos contra aqueles que percebíamos como inimigo, às vezes matamos civis inocentes. Sempre que matamos civis inocentes, ao invés de aceitar a responsabilidade por nossa conduta, nós optamos por nos esconder atrás do véu da segurança nacional e informação secreta a fim de evitar qualquer prestação de contas ao público.
Em nosso zelo para matar o inimigo, nós internamente debatemos a definição de tortura. Mantivemos indivíduos em Guantánamo por anos sem o devido processo. Inexplicavelmente, viramos um olho cego para a tortura e execuções do governo iraquiano. E compactuamos com incontáveis outros atos em nome da nossa guerra ao terror.
Muitas vezes o patriotismo é exaltado aos gritos enquanto atos moralmente questionáveis são defendidos por aqueles no poder. Quando tais gritos abafam qualquer dissensão que tem base na lógica, geralmente trata-se de que foi dada ao soldado americano a ordem de desempenhar alguma missão mal concebida.
Nossa nação tem tido momentos negros similares diante das virtudes da democracia – a Trilha de Lágrimas [N.HP – a expulsão dos índios cherokees de suas terras], a decisão Dred Scott [a sentença da Suprema Corte que manteve escravo um negro que fora para um estado onde não havia escravidão], o McCarthismo, e os campos de internamento dos nipo-americanos – para mencionar alguns. Estou confiante que muitas dessas ações desde o 11 de Setembro serão um dia vistas sob luz similar.
Como o saudoso Howard Zinn disse uma vez, “Não há uma bandeira grande o bastante para cobrir a vergonha de matar gente inocente”.
Eu compreendo que minhas ações violaram a lei; eu lamento se minhas ações atingiram alguém ou causaram dano aos Estados Unidos. Nunca foi minha intenção atingir quem quer que seja. Eu só queria ajudar o povo. Quando eu escolhi divulgar informação secreta, o fiz por amor ao meu país e por senso de dever aos outros.

Se você negar meu pedido de indulto, eu cumprirei meu tempo [de sentença] sabendo que às vezes tem-se de pagar um pesado preço para viver numa sociedade livre. Eu pagarei com alegria esse preço se isso significar que nós poderemos ter um país que seja verdadeiramente concebido na liberdade e dedicado à proposição de que todas as mulheres e homens são criados iguais.”